quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O Pôr-do-sol

O pôr-do-sol
desce sobre o caminho que marcamos
com as nossas pegadas humanas
sobre esta terra calcada

e tu sentas-te no chão
com o caderno no regaço
as aguarelas abertas
e o pincel apontado
à folha em branco

Tens o peito entregue à beleza da vida
que nos rodeia
galgando o olhar
penetrando a alma
com calma
preenchendo

Mas a luz já se foi
vem a noite
sobre o teu desenho acabado
e tu enrolas um cigarro
enquanto eu espero as palavras
que ainda escrevo
no meu caderno riscado
e reescrito

Ainda o amor brilha em nós
unidos pelo resquício de luz
e a remanescência
de cor no mundo

E quando o sol se foi
já nós andamos noutra senda
que nos leva sei lá onde

Parece ser feita da mesma matéria
que os sonhos essa estrada
silenciosa
entre o bosque
o canal
e a lua crescente


quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Tenho o coração gasto
e cheio de arranhões
um coração que viu sonhos
desfeitos na tempestade
como a nuvem
que sonhava ser estrela
e choveu

Tenho um coração tão denso
que é um novelo
carregado de nós
e não consigo desenlear

Esse coração tem histórias tristes
que nunca vou contar
dias cinzentos de inverno
noites escuras de breu

Mas ontem voltou o rubor
pintado pelas mãos de Sofia
Mãos perfumadas pela terra
pelas flores por candura

Mãos que lavaram o negrume
que obscurecia o meu coração-carvão
num toque delicado e curioso

E com um sopro fresco
os seus lábios de mistério
encheram-me o peito

A densidade deu lugar à leveza
os nós desataram
o céu abriu e o meu coração
mesmo sem asas
voou