domingo, 23 de novembro de 2014

O que penso acerca de nós agora

É simples e belo
o sentimento que se esconde
nas entrelinhas do nosso olhar

Não sei o que pensas
mas o meu corpo vibra
mais intensamente quando me olhas

E o teu sorriso
revela um arco-íris
na abóbada celeste

Em mim tudo é plano
como um campo de trigo
acariciado pela brisa

A semente é forte
e a vontade faz-me lavrar
para que cresça e dê frutos

Eu nada sei, mas...

Enquanto a lua brilha alta
os meus olhos vão querer
alcançá-la sempre

Vagabundo

Eu quero ser um vagabundo!
Será que posso ser um vagabundo?

Quero ir e correr o mundo... Contigo!

Mas eu não sei onde tudo começa e acaba
Eu sei lá se o mundo é mais do que
o lugar onde ela está, lá fora, ou dentro de mim

Eu não sei se o tempo é mais do que esta noite
em que as estrelas brilham sobre o nosso olhar

Ilumina a minha alma com a tua presença,
e molda os meus medos
como argila esculpida entre os teus dedos
escultora de emoções 

Vem e faz-me ver todo esse dia
que há por nascer em nós
Vagabundos

Tu és maior do que o sol!
Eu entro raiz no chão
como a árvore da vida
que desce sobre o beijo
que ela me deu

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O Pôr-do-sol

O pôr-do-sol
desce sobre o caminho que marcamos
com as nossas pegadas humanas
sobre esta terra calcada

e tu sentas-te no chão
com o caderno no regaço
as aguarelas abertas
e o pincel apontado
à folha em branco

Tens o peito entregue à beleza da vida
que nos rodeia
galgando o olhar
penetrando a alma
com calma
preenchendo

Mas a luz já se foi
vem a noite
sobre o teu desenho acabado
e tu enrolas um cigarro
enquanto eu espero as palavras
que ainda escrevo
no meu caderno riscado
e reescrito

Ainda o amor brilha em nós
unidos pelo resquício de luz
e a remanescência
de cor no mundo

E quando o sol se foi
já nós andamos noutra senda
que nos leva sei lá onde

Parece ser feita da mesma matéria
que os sonhos essa estrada
silenciosa
entre o bosque
o canal
e a lua crescente


quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Tenho o coração gasto
e cheio de arranhões
um coração que viu sonhos
desfeitos na tempestade
como a nuvem
que sonhava ser estrela
e choveu

Tenho um coração tão denso
que é um novelo
carregado de nós
e não consigo desenlear

Esse coração tem histórias tristes
que nunca vou contar
dias cinzentos de inverno
noites escuras de breu

Mas ontem voltou o rubor
pintado pelas mãos de Sofia
Mãos perfumadas pela terra
pelas flores por candura

Mãos que lavaram o negrume
que obscurecia o meu coração-carvão
num toque delicado e curioso

E com um sopro fresco
os seus lábios de mistério
encheram-me o peito

A densidade deu lugar à leveza
os nós desataram
o céu abriu e o meu coração
mesmo sem asas
voou

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Quero um mundo só meu...

Quero um mundo só meu para brincar
e um espaço feliz para ser triste
e um prado inteiro para ser flor
e ter vida que baste para redimir

Porque quero chorar e ser criança
para sorrir com a alma toda
e viver tranquilo cada dia
pleno em cada momento

Para que o mundo inteiro
seja apenas um lugar
e cada espaço um recreio
onde posso ser verdade

Quero ter um coração que não parte
e lágrimas que curam o desgosto
e ser inteiro depois do teu abraço
e retrato de alegria no meu rosto

terça-feira, 22 de julho de 2014

Eu sinto-me sozinho

Eu sinto-me sozinho.
Mas será que sou o único?

Não tenho paciência para os meus amigos
não me dá prazer estar com eles
e apanhar bebedeiras, ou então
ver a novela, ou fazer charros
e falar de assuntos que não me interessam.

Não gosto dos meus amigos.
Isto está errado. É triste, é feio.
Ou então eu não tenho amigos.

Estou chateado
porque faz-me falta alguém
que de vez em quando se lembre de mim,
que queira saber,
que se intrometa nos meus assuntos.

E por isto sinto-me mimado.

E por isto visto uma couraça
para me proteger do mundo,
e para sentir-me sozinho em paz.

E escrevo para ler
para me sentir afagado na poesia.


Victor Rodrigues

Vida de artista

Olho para a vida
que se afunila num sentido ininteligível

Não vejo futuro
não vejo escolhas
não vejo saídas
não tenho opções
só tenho a arte

E a arte alivia-me
mas faz-me sofrer
dá-me o mínimo para sobreviver
e limita-me o suficiente
como para não me ser possível
libertar das suas amarras

E o que seria eu sem ela?

Uma morte viva
uma vida sem alma
um corpo sem esperança
uma máquina sem sonhos...

Mas com ela sou mendigo
sou espera
um fazer que a nada leva
sou nada

Não sirvo para nada
nem para ninguém
e no entanto o que ainda faço
nem sequer é para mim

Faço o que faço
sei lá para quê
sei lá para quem

Para a humanidade - penso eu
Mas é uma ilusão
Para a posteridade - volto a pensar
Mas não acredito

E a dor de ser sem ser
espalha-se pelo meu corpo
pelo chão estendido
e o peso da inutilidade preenche-me as palavras

E a vida continua

Que bela merda!


Victor Rodrigues

Música e Amor

Música e amor
na pele e nos lábios
no teu quarto fechados
a viajar sobre os telhados

O teu cheiro envolve-me
num manto surrealista
que arrasta o meu corpo
em esquiva para dentro

Nada perturba os teus sonhos
e o mundo ateia os meus medos
e o fogo queima-me vida
e a dor dos segredos afasta-me...

E volto ao quarto
ainda aqui estás
como uma protecção
como um talismã para a minha razão débil

És tudo isso agora
e o teu quarto entrega-me esta sensação
de que viajo sem querer estar nem partir
porque me inspira com a tua música e amor

Sinto-me numa sobreposição do sonho à vida
mas sem estar preparado para nenhum
e na realização concreta de uma construção onírica
mas perdido na névoa de uma constelação longínqua

E volto ao quarto
que é agora o meu
já cá não estás tu
nem a música nem o amor que era só teu

Victor Rodrigues