quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

No fio da navalha

Filho da rua, andas descalço, cantando,
Órfão e portanto conheces o perigo vivo,
Mas ris e deixas passar.

A vida é tua, olhas por dentro
E vê-la nua, na rua.
Esse lugar, escondido
Debaixo do olhar,
Perdido…

Perdido mas não esquecido,
Simplesmente disfarçado,
Cautelosamente abandonado.

E tu, filho da rua,
Atulhes esses locais onde nasceste,
Estás a mais.

O teu andar perturba o descansado e de boa gente,
O elegante e inteligente, esse que fala com bom acento,
Eloquente ao pronunciar a sentença,
Por ser dono de tudo o que manda,
Ou assim pensa…

Ele que estuda e percebe,
E tem conhecimento de tudo até aos céus,
Mas que não sabe, ou não quer
Levantar os véus macios, de veludo.

Esse que conhece toda a verdade,
E no entanto não pára para olhar
A realidade.

Pois só tu, filho das ruas,
Que és pobre e verdadeiro,
Entendes o mundo inteiro,
E todas as mortes são tuas.

És tu que as sentes,
Desamparado e selvagem,
Para que os outros as vejam,
Esses filhos de boa gente,
Que riem estupidamente,
Ou tudo de bom te desejam,
Por um minuto somente,
Talvez só um segundo…

Esses livres cativos que,
Ao ver-te a ti vagabundo,
Se por clemência acordam,
Podem mudar este mundo.

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